quarta-feira, 25 de junho de 2008

Miguel

Engraçado como certas coisas inesperadas acontecem conosco e fazem nosso dia fluir muito mais leve.
Estava eu lá, sentado no metrô, de mp3 no ouvido e "O silêncio dos amantes" na mão. Uma mãe, rechonchuda e de olhos verdes senta à minha frente.
Um pequeno infante acomoda-se ao meu lado, ao mesmo tempo que diz em alto e bom som: "Oi, quem é você?". Tirei o fone do ouvido, fechei o livro marcando a página e sorri, respondendo: "Sou o Leonardo. E você?".
"Eu sou o Miguel. Tudo bem?".
Quatro anos. Sim, ele tinha apenas quatro primaveras de vida. Pequeno e adorável.
Apertei-lhe a sua pequenina mão e ele não soltou. Ficou segurando e acariciando por vários minutos. Senti uma profunda afeição por ele logo de cara. Não pensei "por que esse carinho?". Não deveríamos nos questionar sobre demonstrações de carinho. "Retribuir", "se permitir" e "agradecer" são a tríade que se deve considerar.
Continuei naturalmente o assunto, com perguntas sobre a escola, o que gosta de brincar e outras coisas rotineiras do universo infantil. Falei da minha sobrinha, sempre tão tímida e anti-social.
Ele, lindo, conversava com a naturalidade de quem me conhecia desde bebê.
A mãe, encabulada, pedia para ele parar. "Parar para quê?", pensei. Ela não deveria se desculpar, pois seu filho era o mais nobre daquele metrô, o único que não enfiava uma música no ouvido e cobria o rosto com um livro.
Agreguei ela à nossa conversa, pedindo para ele dizer coisas boas sobre ela, do que ele gostava na mãe dele. "Ela me deixa dormir com ela quando tá frio".
Eu ri alto.
"Que sociável. A senhora já cogitou colocar ele pra fazer teatro?"
Com um sorriso de canto, ela diz: "Ele é altista".
Não entrei no mérito da questão.
Preciso pesquisar o que é um altista, pois acreditava que eram crianças distantes, quietas, alheias ao mundo.
O pequeno Miguel fez de mim um leigo.
Tinha sorriso largo, cílios negros e roupas coloridas. Os dentes perfeitos e a pele bem morena, possuía uma simpatia que me impedia de parar de sorrir e lhe olhar.
De repente, tomou-me o livro das mãos e folheava Lya Luft. E lia alto, como me contando uma história. Eu deixava de ser tio e me tornava criança.
"Ele lê desde os três anos", explicou a mãe.
Lia Lya.
Lia os capítulos, as orelhas, a biografia, a dedicatória, tudo com uma rapidez e desenvoltura que me deixaram pasmo. Nenhuma palavra saía sem entendimento, com dificuldade.
Altista? O que seria isso? Teriam tipos? Miguel era dono do melhor modelo.
Nada lhe era diferente de qualquer outra criança, fosse na fala, na aparência, na altura, no modo de agir e conversar. Socializava com uma facilidade assombrosa.
As marcas de suas folheadas no meu livro que trata da incomunicabilidade entre as pessoas ficarão lá.
Me fez pensar por um momento: seria o altismo do garoto a resolução para o silêncio entre nós? A incomunicabilidade que Lya tratava no livro foi quebrada por ele.
Um homem pequeno que desvendou o livro que tratava do silêncio.

2 comentários:

Mim mesma disse...

Adorei, Leo! Parabéns (pro moleque e prá vc, pela reprodução).
Bjs,
Ana

Thaise Fernandes disse...

de grande grandeza