Estava à espera do metrô. Corpo magro, esguio mesmo. Um coque mal-feito deixava seus cabelos brancos desgrenhados, com alguns fios que caíam-lhe sobre a testa. As mãos, de pele branca, seguravam em cruz um livro de Machado de Assis em frente ao corpo. Sua blusa de malha fria, quase transparente, tinha listras desbotadas em azul e amarelo. Na saia cinza, a finalização de um tom opaco. Ela era toda em tons pastéis. Quase crua. Tendência dos idosos.
Seu cheiro de flores - talvez alfazema, quem sabe lavanda - provavelmente veio de suas flores cultivadas em casa.
A pele, manchada pela idade e com veias sobressalentes, davam-lhe um aspecto de vida calejada. Vendo de perto sua fisionomia, era possível observar um buço de pêlos pontudos e um olhar de testa franzida.
Sem aliança no anelar esquerdo. Solteira, talvez viúva.
Na correntinha de prata que trazia no pescoço, uma letra A. Só uma. Talvez não fosse mãe, pensei . Mães de corretinha com letra(s) pendurada(s) no pescoço sempre levam as iniciais de seus filhos. Filho é quase uma anulação da própria vida, ao mesmo tempo que - dizem as mães - lhe completam.
Letra A. Talvez fosse um filho único, me corrigi. Talvez uma filha única que ela perdeu para uma velhice que não a levou antes. Tinha por volta de 80 anos e o olhar perdido.
Seria a letra inicial de seu nome?
A.
A de quê?
Adelina, Ana, Amália, Augusta?
Não sei. O nome poderia ser de velha, aparência também, pele de tom pastel idem.
Porém, ao terem lhe cedido - educadamente e não por mera obrigação - o lugar para sentar-se no vagão cheio de um sábado quente, algo não havia se perdido. Era, de fato, uma idosa muito velhinha, com ossos que pareciam quebrar, mas algo me chamou a atenção: quando viu que era notada dentro do vagão cheio de vidas novas, ela soltou um sorriso largo e exibiu o olhar mais brilhante que vi em anos. Sorriu à caridosa balzaquiana com a vitalidade de uma criança.
E sentou-se com dor nas juntas para continuar a leitura de Machado.
Observação: Nunca saberei que livro ela lia.
Talvez estivesse lendo o conto "Almas agradecidas", de 1871.
Seu cheiro de flores - talvez alfazema, quem sabe lavanda - provavelmente veio de suas flores cultivadas em casa.
A pele, manchada pela idade e com veias sobressalentes, davam-lhe um aspecto de vida calejada. Vendo de perto sua fisionomia, era possível observar um buço de pêlos pontudos e um olhar de testa franzida.
Sem aliança no anelar esquerdo. Solteira, talvez viúva.
Na correntinha de prata que trazia no pescoço, uma letra A. Só uma. Talvez não fosse mãe, pensei . Mães de corretinha com letra(s) pendurada(s) no pescoço sempre levam as iniciais de seus filhos. Filho é quase uma anulação da própria vida, ao mesmo tempo que - dizem as mães - lhe completam.
Letra A. Talvez fosse um filho único, me corrigi. Talvez uma filha única que ela perdeu para uma velhice que não a levou antes. Tinha por volta de 80 anos e o olhar perdido.
Seria a letra inicial de seu nome?
A.
A de quê?
Adelina, Ana, Amália, Augusta?
Não sei. O nome poderia ser de velha, aparência também, pele de tom pastel idem.
Porém, ao terem lhe cedido - educadamente e não por mera obrigação - o lugar para sentar-se no vagão cheio de um sábado quente, algo não havia se perdido. Era, de fato, uma idosa muito velhinha, com ossos que pareciam quebrar, mas algo me chamou a atenção: quando viu que era notada dentro do vagão cheio de vidas novas, ela soltou um sorriso largo e exibiu o olhar mais brilhante que vi em anos. Sorriu à caridosa balzaquiana com a vitalidade de uma criança.
E sentou-se com dor nas juntas para continuar a leitura de Machado.
Observação: Nunca saberei que livro ela lia.
Talvez estivesse lendo o conto "Almas agradecidas", de 1871.
Um comentário:
A de amor
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