domingo, 19 de outubro de 2008

O cinema nasceu na França e muitos sabem. Quando os irmãos Lumiére o criaram, em 1895, talvez não soubessem o rumo que ele tomaria daqui a cem anos. Se pudessem ver o caminho que, principalmente, o cinema francês tomou, com certeza, estariam orgulhosos.
Não sei se partirá daqui somente minha opinião, porém o cinema francês é, para esse reles mortal, o de melhor qualidade. Cinema feito com alma, com o amor de quem viu, desde bebê, esta arte dar os primeiros passos na Europa.
Quem nunca se impressionou com Viagem à Lua de Mélies, se emocionou com a delicadeza de Truffaut ou com a política dos filmes de Costa-Gavras? Ou perdeu-se nos enredos de Resnais, como Hiroshima, meu amor e O ano passado em Marienbad, sempre presentes nas listas de melhores filmes do século XX? Além do modo único e autoral de Godard que, na Nouvelle Vague, descobriu junto com outros jovens diretores a forma de transgressão e inovação do cinema europeu. Uma grande arma de protesto cultural.

Um cinema que lançou deuses e musas como Bardot, Delon, Deneuve e Moreau ou até mesmo a delicadíssima Audrey Tautou, como Amélie Poulain, em uma fábula moderna que se tornou cult e consta na lista de favoritos de 11 entre 10 amantes da Sétima Arte.
E como não se apaixonar pela cidade-luz no filme Paris, eu te amo ou amar o país que tem o melhor festival de cinema do mundo: Cannes e foi palco de grandes filmes (não necessariamente franceses), como Casablanca, Esqueça Paris e o casal de Antes do Pôr do Sol e Antes do Amanhecer, cujo (re)encontro acontece nas belas ruas da capital francesa.

Nos últimos anos o cinema francês tem lançado obras nos mais diversos gêneros. Em Canções de Amor, o diretor Christophe Honoré (Em Paris) embrenha no campo musical.
O gênero, subestimado, teve seu auge nos anos 40, 50 e 60 nos EUA e ensaiou um breve retorno nos anos 70 e 80, com filmes como Cabaret ou obras mais despretensiosas como Grease, Flashdance e Footloose. Retornou, a partir dos anos 90 com Evita e, nos anos 2000 em filmes como Moulin Rouge, Chicago, Across the Universe e o mais recente Mamma Mia!.

Em Canções de Amor, um triângulo amoroso entre Ismael (Louis Garrel, de Os sonhadores), Julie (Ludivine Sagnier, do aclamado Swimming Pool) e Alice (Clotilde Hesme, que já havia trabalhado com Garrel no belíssimo Amantes Constantes) é interrompido por uma tragédia. Ismael (um Garrel mais charmoso e carismático que seus outros filmes), que vive a perambular por Paris, conhece Erwann (o desconhecido Grégoire Leprince-Ringuet).
Buscando um novo sentido a sua vida para superar a tragédia e viver um novo amor, Ismael – e todo o elenco -, desfilam pelas ruas e apartamentos de uma Paris chuvosa e nublada, cantando seus dilemas, medos e alegrias.
As canções de amor, modernas e com o inconfundível estilo musical francês, fazem do filme um deleite para os olhos e ouvidos, com personagens carismáticos e uma direção segura e delicada de Honoré, que dirigiu Em Paris, também com Garrel. Para quem assiste, é possível acreditar no amor que emerge da tela em olhares, toques e músicas. Seja o amor presente, ausente ou idealizado, o filme faz uma bela homenagem àqueles filmes em que as pessoas “começam a cantar no meio de uma conversa” e ainda criticados por uma parcela daqueles que lotam as salas de cinema.
Em uma cidade apaixonante - e apaixonada - que encontra em seus personagens a busca, dúvidas, dores e alegrias do amor, Paris dá o abrigo.
Uma pequena obra-prima, cativante, e que tem tudo para tornar-se um dos preferidos daqueles que ainda acreditam no amor e nos musicais. Afinal, como li uma vez (infelizmente, não lembro o autor da frase), o problema do amor é que não conseguimos falar dele sem citar velhas canções.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

mau humor passageiro

O sexo só fode a vida e o amor é tão bom que é uma droga.

Dia nublados me deixam pessimista. haha

Que saia o Sol, então.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

até hj ninguém mais soube discutir clarice comigo
e foi a última frase que ele me disse antes de eu entrar no ônibus naquele dia 07 do ano passsado
eu subindo a escadinha pra entrar

ele me chamou
eu virei e ele disse
"léo, volta.

ninguém sabe conversar de clarice comigo"

eu sorri um sorriso triste e entrei no ônibus

e assim acabou.

domingo, 13 de julho de 2008

Pare

Guarde tudo para você. Nâo me venha com maniqueísmos baratos ou frases feitas, que não serei seu ventríluquo.
Não me decifre, não tente me conhecer para me entender e achar que, me entendendo, você pode jogar comigo a partida do relacionamento eu-você-e-o-mundo.
Eu posso dar o xeque-mate quando você achar que você é quem manda.
No meu jogo de xadrez, você não é o rei que pode subir a torre e fazer a manobra final.
Eu te surpreendo constantemente e sou capaz de fazer o bispo negro mudar e o permitir que o peão branco dê a volta por cima.
A vida não é simples, tipo preto no branco, como um tabuleiro.
Viva além das tabelas, pise no riscado cinzento, derrube as peças e quebre as regras.
Viver é mais.A vida é apenas eu, você e o imprevisto
22 jan 2008

(Des)encontro

Coloco a chave na fechadura da porta do seu apartamento e ouço o som inconfundível do ato. Abro. Dentro, a meia-luz é interrompida pela minha sombra que se reflete na entrada encarpetada pela lâmpada forte que vem do corredor. Você não olha para trás. Está imóvel, recostado na janela de cortinas brancas transparentes. Fuma um cigarro.Sua calça jeans surrada lhe veste perfeitamente. Seu torso está nu e os seus pés descalços.Eu lhe olho por uns segundos que parecem demorar uma eternidade. Minha testa está franzida e, na boca, tenho um chiclete já sem gosto que insisto em não cuspir.Jogo a mochila mole, vazia, na primeira poltrona que encontro em sua sala e as chaves em cima da mesa de vidro. Você olha para o lado e vejo seu perfil, que contrasta com a iluminação do lado de fora do prédio. Lá fora, de onde acabei de vir, choveu. As pessoas pisavam em poças que, momentos atrás, refletiam luzes de Natal em árvores mortas e carros vivos cheio de pessoas semi-vivendo dentro deles. Antes de entrar no prédio, relembro do cheiro de chuva que me fez respirar fundo, umidificando minhas narinas e entrei no terceiro elevador. Justo aquele que não tinha mais nenhum alguém dentro. Sinto como uma contagem regressiva os andares indo do térreo até o décimo segundo andar. Doze longos segundos até você. É mais do que suficiente.Meu cabelos molhados caem no rosto em cachos assimétricos molhando seu carpete. Não enxergo as gotas formarem círculos no chão, mas sei que caem junto com lágrimas. Aqui de dentro a sensação é outra, completamente oposta da rua iluminada. A visão do andar alto me faz olhar baixo.As pessoas pequenas, buzinando e esperando por um atendimento de socorro da ambulância que percorre a noite quente. Suas sirenes ecoam em meus ouvidos enquanto fecho a porta e a luz do corredor vai formando um feixe até sumir por completo. Não tranco sua porta. Se precisar sair correndo dali em disparate, sinto que não poderei encontrar a chave a tempo; ela que está ali, ao lado do vaso de flores que você ia me enviar hoje pela manhã. O cartão ainda está preso entre os dezoito bogarins e me lembro do significado de tais flores. Bogarins significam amor puro e vivo que existe dentro de uma pessoa. Dou um sorriso tímido e tristonho. Passo as mãos pelos cabelos, digo um "hey" e você repete a mesma palavra de três letras sem olhar para trás.Vou ao banheiro, seco um pouco os cabelos e tiro a camisa. Quando volto para a sala, você já terminou seu cigarro. Aposto minhas calças ainda secas que você jogou a bituca na varanda do apartamento do lado, como sempre fez.Está virado de costas para a janela, mas ainda encostado no parapeito. Parece abatido e tem os olhos vermelhos. Com os braços cruzados e olhando para mim, me pergunta se estou bem, enquanto respondo que sim com as mãos nos bolsos.O silêncio não incomoda, porém parece que não sabemos mais nos comunicar pelo olhar ou pelo toque. Ando até o parapeito e me apóio na janela. Você encosta junto comigo enquanto eu coloco um cigarro na boca e me pede um. Tiro um do maço e entrego na sua mão, mas você olha para mim sorrindo e tira o que está na minha boca. Eu sorrio de volta e cutuco levemente seu abdome com o cotovelo. Encosta seu braço direito em mim e eu suspiro. Seus olhos mirando as vidas que acontecem lá embaixo na rua já não estão mais vermelhos. Meu rosto seco já não escorre lágrimas. Começamos a adivinhar vidas e personagens lá de cima. A mulher que passeava com o cachorro tornou-se uma solitária alcóolatra que comprava apetrechos sexuais para usar sozinha enquanto o pai dormia. O fortão que passava de carro conversível era um divorciado que queria aproveitar a vida depois de vinte e cinco anos de casado com a mesma mulher que não quis ter filhos. E a criança que chupava feliz um sorvete de mão dadas com a mãe era apenas uma criança feliz. Sem fingimentos, apenas feliz. Você termina o cigarro primeiro que eu e põe uma música. Bela. Calma. De voz linda e letra precisa. É nossa vida em voz e violão.Você me abraça por trás e meu cigarro no fim cai na sacada do apartamento de baixo. Me convida para dançar e eu também tiro meus tênis úmidos, sentindo o carpete quente e seus lábios ainda frios. Abraçados, ali no meio da sala, você me dá o melhor dos abraços.O que mais se encaixa, o que mais completa o espaço vazio entre mim e outra pessoa.Na janela, uma brisa morna de verão chuvoso entra e balança a fina cortina branca.Eu olho os bogarins, que parecem se mover com a brisa e sorrio. E você tranca a porta...

sábado, 5 de julho de 2008

Eu não saberia dizer como ocorreu. Em um daqueles sonhos acordados, em que o corpo pesa e a alma levita, eu estava submerso. Em sonhos, em vontades que me recuso a reconhecer quando estou de olhos abertos e de boca calada. Eu gritava. Meus pés estavam dormentes, minha cabeça estava rodando e eu estava só. Só. Só isso.
Nada mais. Nada mais me fazia pensar em chegar ao outro lado. Uma música clássica, de violinos leves e cheiro de grama.
Dentes-de-leão esvoaçavam suas penas pétalas, que formavam poeira sem me doer os olhos. Me faziam enxergar. Era Daniel na cova dos leões. Na cova dos dentes de leões. Mordendo, me faziam rir. Sorrindo, me faziam chorar.
O choro de felicidade era passível de qualquer coisa que me levasse para aquele cesto, onde eu via pequenos dedos e uma voz derretida de bebê.
Mexiam-se com o descompasso de meus pés pesados. Seriam meus pés?
Aproximei-me do pequeno cesto de vime, que chacoalhava como que ninado por um ser invisível a olhos nus. Meus olhos choravam lágrima quente. Minhas mãos, frias, latejavam, pulsavam com o ritmo de minhas batidas cardíacas.
Passei as mãos pelos cabelos espessos, senti minhas unhas grossas e limpas cravando em meu couro cabeludo, como se eu quisesse arrancar de minha caixa craniana o que eu penava em não lembrar.
Estava diante de mim. Eu, diante de mim mesmo.
Eu via aquele sorriso largo, aquele cabelo que ainda não havia nascido. Teria eu me parido? Era eu mesmo a ama daquele que eu neguei amor?
Olhei-me. O bebê me sorriu. Custei a acreditar e pensei que estava sonhando. Estava? Um sorriso de adulto fez o pequeno ser me olhar de olhos arregalados. Meu sinal na testa, hoje amarronzado, era pequena mancha vermelha entre sobrancelhas. O que viria a ele? Teria eu a chance de mudar tudo que passei, senti, vivi? Não. Não. Não mudaria uma vírgula.
Seria crueldade minha daquele que, vinte e cinco anos depois, estaria diante da beleza que é viver, enfrentar, sentir, amar, gozar, chorar? Gozaria de vida, sentiria o amor, enfrentaria seu viver? Sim. Mil vezes sim.
Agachei-me diante do meu eu. Reconheci nos dedos gordos e no olhar atento aquilo que fui outrora. Teria nascido sem pecado, como dizem por aí? Estaria pecando por ter sido parido, por escolher que viria ao mundo? Teriam pecado e tomado uma decisão que caberia somente a mim?
Com a delicadeza de quem tinha amor, enfiei as mãos por debaixo de minhas pequenas axilas em um macacão azul e ergui-me. O peso era grande. Carreguei-me no colo durante muito tempo e sei, por duras penas, como é difícil erguer-se depois da dor.
Abracei-me. Pude sentir o cheiro de gente nova, a sensação de uma vida que me pertencia. Aquela vida que, durante muito tempo, reneguei, xinguei, maltratei. Em um longo abraço, o bebê, sem entender nada, ria. Passei as mãos por sua moleira, com a precaução de quem acaricia um cão enfermo e fiz com que meu dedo indicador descesse desde a testa, passasse pela marca de nascença e percorresse o pequeno nariz. No decorrer do movimento, fechou os olhos. Dormiria? Não, não durma! Eu ficaria sozinho se você dormisse e tenho medo. Tenho medo de você dormir e eu acordar do sonho bom de me cuidar.
Carregue-me pela mão de volta à infância que chegaria para você e jamais me retornaria. Faça com que eu reconcilie-me contigo. Que eu não sofra por ter te abandonado, sido para os outros o pai e para ti o carrasco.
Eu apenas diria: “Tudo ficará bem. Estarei sempre contigo, por mais que você pense que te abandonei em alguns momentos”.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Miguel

Engraçado como certas coisas inesperadas acontecem conosco e fazem nosso dia fluir muito mais leve.
Estava eu lá, sentado no metrô, de mp3 no ouvido e "O silêncio dos amantes" na mão. Uma mãe, rechonchuda e de olhos verdes senta à minha frente.
Um pequeno infante acomoda-se ao meu lado, ao mesmo tempo que diz em alto e bom som: "Oi, quem é você?". Tirei o fone do ouvido, fechei o livro marcando a página e sorri, respondendo: "Sou o Leonardo. E você?".
"Eu sou o Miguel. Tudo bem?".
Quatro anos. Sim, ele tinha apenas quatro primaveras de vida. Pequeno e adorável.
Apertei-lhe a sua pequenina mão e ele não soltou. Ficou segurando e acariciando por vários minutos. Senti uma profunda afeição por ele logo de cara. Não pensei "por que esse carinho?". Não deveríamos nos questionar sobre demonstrações de carinho. "Retribuir", "se permitir" e "agradecer" são a tríade que se deve considerar.
Continuei naturalmente o assunto, com perguntas sobre a escola, o que gosta de brincar e outras coisas rotineiras do universo infantil. Falei da minha sobrinha, sempre tão tímida e anti-social.
Ele, lindo, conversava com a naturalidade de quem me conhecia desde bebê.
A mãe, encabulada, pedia para ele parar. "Parar para quê?", pensei. Ela não deveria se desculpar, pois seu filho era o mais nobre daquele metrô, o único que não enfiava uma música no ouvido e cobria o rosto com um livro.
Agreguei ela à nossa conversa, pedindo para ele dizer coisas boas sobre ela, do que ele gostava na mãe dele. "Ela me deixa dormir com ela quando tá frio".
Eu ri alto.
"Que sociável. A senhora já cogitou colocar ele pra fazer teatro?"
Com um sorriso de canto, ela diz: "Ele é altista".
Não entrei no mérito da questão.
Preciso pesquisar o que é um altista, pois acreditava que eram crianças distantes, quietas, alheias ao mundo.
O pequeno Miguel fez de mim um leigo.
Tinha sorriso largo, cílios negros e roupas coloridas. Os dentes perfeitos e a pele bem morena, possuía uma simpatia que me impedia de parar de sorrir e lhe olhar.
De repente, tomou-me o livro das mãos e folheava Lya Luft. E lia alto, como me contando uma história. Eu deixava de ser tio e me tornava criança.
"Ele lê desde os três anos", explicou a mãe.
Lia Lya.
Lia os capítulos, as orelhas, a biografia, a dedicatória, tudo com uma rapidez e desenvoltura que me deixaram pasmo. Nenhuma palavra saía sem entendimento, com dificuldade.
Altista? O que seria isso? Teriam tipos? Miguel era dono do melhor modelo.
Nada lhe era diferente de qualquer outra criança, fosse na fala, na aparência, na altura, no modo de agir e conversar. Socializava com uma facilidade assombrosa.
As marcas de suas folheadas no meu livro que trata da incomunicabilidade entre as pessoas ficarão lá.
Me fez pensar por um momento: seria o altismo do garoto a resolução para o silêncio entre nós? A incomunicabilidade que Lya tratava no livro foi quebrada por ele.
Um homem pequeno que desvendou o livro que tratava do silêncio.

sábado, 1 de março de 2008

A

Estava à espera do metrô. Corpo magro, esguio mesmo. Um coque mal-feito deixava seus cabelos brancos desgrenhados, com alguns fios que caíam-lhe sobre a testa. As mãos, de pele branca, seguravam em cruz um livro de Machado de Assis em frente ao corpo. Sua blusa de malha fria, quase transparente, tinha listras desbotadas em azul e amarelo. Na saia cinza, a finalização de um tom opaco. Ela era toda em tons pastéis. Quase crua. Tendência dos idosos.
Seu cheiro de flores - talvez alfazema, quem sabe lavanda - provavelmente veio de suas flores cultivadas em casa.
A pele, manchada pela idade e com veias sobressalentes, davam-lhe um aspecto de vida calejada. Vendo de perto sua fisionomia, era possível observar um buço de pêlos pontudos e um olhar de testa franzida.
Sem aliança no anelar esquerdo. Solteira, talvez viúva.
Na correntinha de prata que trazia no pescoço, uma letra A. Só uma. Talvez não fosse mãe, pensei . Mães de corretinha com letra(s) pendurada(s) no pescoço sempre levam as iniciais de seus filhos. Filho é quase uma anulação da própria vida, ao mesmo tempo que - dizem as mães - lhe completam.
Letra A. Talvez fosse um filho único, me corrigi. Talvez uma filha única que ela perdeu para uma velhice que não a levou antes. Tinha por volta de 80 anos e o olhar perdido.
Seria a letra inicial de seu nome?
A.
A de quê?
Adelina, Ana, Amália, Augusta?
Não sei. O nome poderia ser de velha, aparência também, pele de tom pastel idem.
Porém, ao terem lhe cedido - educadamente e não por mera obrigação - o lugar para sentar-se no vagão cheio de um sábado quente, algo não havia se perdido. Era, de fato, uma idosa muito velhinha, com ossos que pareciam quebrar, mas algo me chamou a atenção: quando viu que era notada dentro do vagão cheio de vidas novas, ela soltou um sorriso largo e exibiu o olhar mais brilhante que vi em anos. Sorriu à caridosa balzaquiana com a vitalidade de uma criança.
E sentou-se com dor nas juntas para continuar a leitura de Machado.

Observação: Nunca saberei que livro ela lia.
Talvez estivesse lendo o conto "Almas agradecidas", de 1871.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

O que é o amor?

Clarice escreveu: Amor é a grande desilusão de tudo mais/Amor é finalmente a pobreza/.../É a desilusão do que se pensava que era amor.
Henry Miller, anos antes, disse que o amor era a mais doce e mais amarga das tristezas que se pode sentir. É a fome, a solidão que precede a iniciação. Ele dizia que o amor era como uma linda maçã vermelha com um verme em seu interior que, vagarosamente, vai devorando a maçã, até não restar nada além do verme. Era o consumo do amor em si mesmo. O amor que também nos consome, como um verme.
Nelson Rodrigues dizia que devia se escolher: ser feliz ou amar. As duas coisas ao mesmo tempo era impossível.
Por que todo esse drama existencialista ao redor do amor? É tão paradoxal assim? Seria ele um anjo mau, que crava suas unhas em nossas entranhas e nos vicia ao ardermos de prazer?
Há algo no amor que vejo como uma mordida de vampiro. Aquela coisa intensa, quente, irresistível, que dilacera, dói, mas sempre queremos mais.
Não se engane. Todos sofremos por amor.
Assim como eu vejo o sono e a morte como duas coisas que são capazes de derrubar qualquer ser humano, o amor vem como o terceiro elemento vital de qualquer pessoa.
Se você não sofreu, chegará sua vez.
Se já sofreu, sabe do que estou falando. A dor diferente das outras.
A dor física do peito, da saudade que clama pela presença, do corpo que pede o beijo.
A dor mental que faz com que você imagine o que o amado está fazendo, o que está passando, o que está sentindo e, muitas vezes, não poder acompanhar. O desconhecimento da rotina, o ciúme pelo que muitas vezes não existe, mas nossa mais insana imaginação é capaz de criar e depositar cenas em nossa mente.
A dor espiritual do carinho, das afinidades trocadas, de que você está certo que quer passar o resto dos seus dias ao lado daquele ser humano feito de carne, osso e pedaços seus guardados em algum lugar que te faz pulsar e levantar diariamente.
O amor dói. Seja por abdicar dele, pela perda, pela saudade ou simplesmente por amar demais. Mede-se o amor? Ama-se mais, ama-se menos, ama-se diferente? Ou o amor é uníssono, funcionando como uma pequena orquestra, em que todas as emoções se unem e formam a sinfonia perfeita?
Será necessário explicar o amor ou deve-se apenas entregar-se ao que, para mim, é o mais nobre dos sentimentos do mundo?
Em seu livro,
Fim de Caso, Graham Greene coloca no amor de duas pessoas o ciúme doentio, em que ele despede-se da amada, enquanto ela veste uma meia e diz: Eu queria ser essa meia. Eu tenho ciúmes dessa meia, pois ela estará contigo enquanto eu não vou estar durante o resto desse dia.
O amor vence tudo? Esquece-se um grande amor? É destino? Amor e ódio caminham juntos? Enlouquece-se de amor?
Nesse mesmo livro - que se passa durante a Segunda Guerra Mundial - o local em que os dois amantes estavam é bombardeado. No desespero das ruínas, ela o encontra aparentemente morto. Num ato impensado, ela pede a Deus para fazê-lo viver dando em troca o fim do caso que tinham. Neste momento, ele abre os olhos, pois sobreviveu ao ataque. O que fazer: ignorar a promessa ou levar adiante seu pedido a Deus, vindo de uma mulher religiosa?
Destino?
Lembro-me de uma vez estar sentado ao lado de duas garotas desconhecidas. Elas contavam a história de um tio que havia vivido um belo amor, mas precisou mudar de Estado e nunca mais reviu sua antiga amante. Soube-se que haviam se casado com outras pessoas, porém nunca haviam esquecido um do outro. Ela foi abandonada pelo marido anos depois e ele ficou viúvo. Então, 15 anos depois, andando pelo Viaduto do Chá em São Paulo, entre milhares de pessoas que circulam diariamente naquela malha humana, ele tromba com uma mulher. Quando vira-se para pedir desculpa, reconhece que era ela, ali, na sua frente. Ela, que ele amou por mais de uma década. Sim, destino existe. Chamar de coincidência é reduzir a restos uma história como essa.
Esquece-se um amor? Nelson Rodrigues (de novo!), se não me engano, dizia que
o amor verdadeiro não morre. Ele, que escrevia sobre a sordidez humana, a carne, a traição, a derrota, também sabia amar como qualquer ser humano.
Lembro-me da história de uma amiga, que me contou sobre um amor que houve em sua família.
Quando ainda era necessário casar as filhas mais velhas para que depois as mais novas pudessem desposar, ele apaixonou-se pela caçula. A mais velha, solteira, precisava ser desposada primeiro. Ele, então, casou-se com a mais velha sem amor. Foi fiel durante toda a vida da esposa apenas para ficar perto da mulher que amava. A mais nova, enquanto isso, permaneceu solteira até o dia em que sua irmã veio a falecer. Ela, então, muitos anos depois, casou-se com seu grande amor: o viúvo de sua irmã.Histórias como essa não saem somente de livros, pois seus autores precisam tirar da vida sua inspiração, a vida que transpira amor e ódio sabe que sua poesia jamais será deixada de lado.
Assim como aquela popular estória sobre os sentimentos que brincavam de esconde-esconde. Cada tipo de sentimento escondeu-se em um local característico e quem estava a cargo de procurá-los era a Loucura. O Amor não sabia onde esconder-se, até que optou pelo interior de uma rosa. A Loucura, em todo seu desespero, ainda não havia encontrado o Amor e, louca como sempre, passava as mãos rapidamente pelos jardins buscando o sentimento que faltava. Nesse momento, ela ouve um grito de dor. Havia ferido o Amor nos olhos com os espinhos de uma das flores que ela tirava de seu caminho. Chorando, a Loucura pediu desculpas, gritou, clamou pelo perdão. Dizem que, desde esse dia, o Amor é cego e a Loucura o acompanha.
Isso me faz lembrar de uma mulher que eu via constantemente quando eu era mais novo. Eu ficava observando-a. Moradora de rua, ela passava pelos carros pedindo dinheiro. No rosto, crostas de maquiagem suja deixava seu rosto com uma aparência medonha e triste. Podia-se ver tristeza em seus olhos de sombras e rímel multicoloridos, formando um rosto de
pierrot. Não insistia pela esmola. Se você não desse, ela ia embora, sempre com vestidos rotos e os cabelos sebosos em um coque malfeito. Muitas pessoas riem da loucura, caçoam dos desequilibrados, coisa que eu abomino. A loucura é triste, é solitária, é desumana. É ser um estranho nesse mundo, pois você cria o seu mundo em que ninguém mais faz parte. Nenhum louco cria um mundo igual ao outro. A loucura me assusta, pois a nossa mente é capaz de criar coisas que nos surpreendem. Até mesmo um amor que você jamais imaginou existir. Aquela pessoa que você despreza ou aquela pessoa que você conhece durante toda uma vida e, de repente, começa a enxergá-la de uma forma que jamais imaginou.
Dizem que a mente controla o corpo, mas eu acho que ela é capaz de controlar até a si mesma. Enlouquecer é apenas uma questão de perder-se de algo e não encontrar-se mais. Quantas pessoas sentem-se perdidas hoje em dia, criando seus mundos paradisíacos ou infernais? Estamos a um passo da insanidade?
Para a mulher de rosto de pierrot e coque desgrenhado, sua loucura firmou morada no dia em que foi abandonada pelo homem que amava no dia do casamento.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

A última dança

Eu não quereria que a noite tivesse terminado das duas formas.
Tão diferentes, tão homônimas, tão repentinas.
Entre mãos, beijos, sorrisos e a não despedida, eu quis que você ficasse.
As chances eram tão pequenas como a cabeça de um alfinete. Tão finas, tão frágeis, mas que dóem com a profundidade de uma estaca.
O beijo de lábios sedosos aliado com a respiração ofegante me fazia sorrir por dentro. Sua pele suada me fazia ter contato com teu interior que vinha para fora de forma quente, sem cheiro, refrescante. Era o meu contato contigo. Era tato.
Não, não me venha com promessas falsas!
Apenas me levante com a leveza de uma pluma e me faça ver além, pois eu consigo tal proeza. Do abraço de corpo forte de gola pólo negra ao encontro inesperado, eu não sei o que surpreendia mais.
Talvez fosse a música ardendo, pulsando meu coração que não batia mais. Ou então, fosse meu coração fazendo pulsar o espaço lotado de almas aflitas, libidinosas e alcoolizadas que buscavam a redenção.
Era o (f)ato que fazia toda a diferença.
Teu nome me pegou como uma flecha na jugular, pois o coração não mais doía. Doía a garganta de choro preso e amígdalas geladas de bebida. Eu queria gritar, mas como podia? Ninguém ouviria.
Estavam todos preocupados em pecar e serem perdoados na manhã seguinte ao fumar um cigarro descabelados, com ressaca e cheirando a sexo.

Sua língua, percorrendo meu pomo-de-adão, vinha me purificando como Maria Madalena. Contigo, descobri que não havia pecado, pois o que antes achei que fosse pecado, era ruim. Contigo, era bom. E aprendi desde criança que pecar era ruim. Contigo, nada era ruim. Estava de alma lavada com teu suor e com saliva doce nos lábios róseos.
Seria crucificado? Carregaria a cruz de pecar e gostar? Era a punição justa.

Eu rodava de olhos cerrados, sentindo tua mão me acompanhar em um encaixe perfeito de dois estranhos, alinhados em uma perfeita sincronia recentemente descoberta.
A última dança chegou.
E não houve aplausos.
Nem adeus.