No processo para quem para de fumar, tudo se torna mais complexo. Os nervos à flor da pele, a necessidade que teimamos em não ter, a abstinência que faz tremer, doer cabeça, tronco e membros.
Numa noite comum como hoje, em meros minutos frente ao computador – visto que diante dele sinto incontrolável vontade de fumar – começo a ouvir duas músicas. A primeira delas, Uma noite e meia, com Marina Lima e Cláudio Zoli, me relembra uma época do primeiro amor, do primeiro sexo, do primeiro beijo, do primeiro orgasmo, tudo se misturou na canção em uma viagem no final do relacionamento. Um ano sem cansar do corpo, do gosto do suor, da saliva de gosto de melancia.
A letra...
O dia inteiro de prazer / Tudo que quiser, vou te dar / O mundo inteiro aos seus pés / Só prá poder te amar
...é uma mistura de sexo proibido, de noites incansáveis, em que um corpo descobre o outro a cada milímetro, a cada nova mordida, a cada novo pelo com pelo.
Eu senti o calor subir calmamente pelas minhas ventas, quase como o resultado de uma bebida, uma tequila que desce quente pela garganta e sobe fervendo direto para o cérebro. Aí, na minha mais “brilhante” das idéias, decidi colocar outra canção. Menino do Rio, de Baby do Brasil. Essa certa rima cantora/canção fez com que eu sentisse como se uma garrafa de Jose Cuervo tivesse sido virada com um funil pela minha goela.
Rodrigo era o nome dele. Carioca. Tatuagem no braço. Não, não era um dragão, mas era um menino vadio. Quase tudo como dizia a música. Costas largas, braços fortes, olhos verdes. Muito homem para pouco tempo. Convidou-me para ir pra Parati com ele direto da balada. Sonolento, cochilava em meu colo enquanto os semáforos de São Paulo estavam vermelhos. No som, Mutantes. No meu colo, ele. Na minha mente, o sexo.
Tudo isso veio à tona, essas lembranças vieram até mim, bombardeando essa noite solitária de cama vazia, em que eu e meu travesseiro digladiaremos em sonhos sexuais e pele arrepiada de calor. O frio não existe. Só calor, quentura, voluptuosidade, volume, bombeamento sanguíneo, os dentes que mordem o canto do lábio inferior com um fechar de olhos demorado e um suspiro de sopro quente. As minhas mãos que passam pela nuca e minha cabeça raspada ardem. Querem puxar os cabelos – sejam meus, sejam de outrem. O corpo queima, vou tirando peça por peça de roupa e indo até meu quarto. O calor continua. Nu, olho para trás e vejo o rastro de peças jogadas ao chão e remeto a uma noite. Não uma, várias.
O sexo inesperado e inesperável, em que não houve tempo de se despir de modo civilizado. Aquele que começa antes do trancar da porta e percorre a sala, o corredor, derruba um quadro, esbarra em um abajur, enquanto mãos procuram um interruptor de luz e uma caixa de camisinhas. O sexo é a não civilização da raça humana. Como diz Woody Allen, sexo sujo é sexo bem feito.
E ali, olhando o caminho de roupas jogadas, eu estava limpo. Não tinha em mim o cheiro do sexo, o suor e saliva alheios impregnados nos meus poros transpirantes. Então, como a rotina dos minutos que sucedem aquele místico ato, tomei um banho.
Gelado.
E me sentir limpo nunca foi tão entediante...